A vizinha Catrina vem sempre dar uma palavrinha quando lhe aceno da porta do quintal. Depois de saber como está contei-lhe que no outro dia encontrámos uma pessoa que a conhecia, em Martinhanes.
’Oh, a Clarisse! Como ela se lembra de mim!
A gente costumava lá ir a mandar fazer mantas, aquilo que a gente chamava de mantas de retalhos. Saíamos por aqui e íamos a pé, sempre a direito. Era um dia inteiro para lá ir, mas era assim antigamente, não havia carros, nem autocarros. A certa altura havia aqui um autocarro de manhã e outro à tarde, para Beja, mas ninguém tinha carro. Nem o lavrador, que só tinha um carro de parelha… e, veja lá, agora quem é que não tem carro, e acho bem.
Ah a Clarisse! Como ela ainda se lembra de mim… ainda um dia gostava de a ver…’
Ouvi-a com atenção, e lá revelei o meu segredo (tenho comigo uma fotografia da senhora Clarisse, que lhe fiz no dia da visita a Martinhanes):
‘ Vou trazer uma fotografia dela para a ver… e um dia ainda havemos de lá ir a visitá-la’
Responde a vizinha Carina, olhos marejados, não sei se pela claridade se pela emoção:
‘Ahhh… se escaparmos a isto…’
Sorrimos e dissemos adeus.
[Cada passo que damos é sempre a tactear o território. Quando pensámos neste projecto não previmos fazer visitas aos montes e aldeias. Entretanto, assim que começámos a trabalhar vimos que seria importante conhecer as pessoas e os lugares aonde iríamos contar e escutar. É nestes encontros que, por vezes, fotografo algumas pessoas que, no dia da sessão terão a surpresa de receber o seu retrato em papel. Foi num destes encontros que fotografei a senhora Clarisse e por isso, agora posso partilhar a sua fotografia com a vizinha Catrina. Quem sabe um destes dias nos encontramos todas e alguém nos faz um retrato.]