A Ciência do Gado

Tantos aí que sabem de tanta coisa, gostava que alguém me explicasse a ciência de andar com gado.

Ao abrir a porta de um curral, as cabras ou as ovelhas têm que ter uma siga para não fazerem mal aos vizinhos do lado, certo?

Bom, porque não é só abrir a porta ao curral das ovelhas e das cabras e cá vão elas. Isto tem que ter um significado.

As ovelhas também têm que ter, bom, o seu jeito.

E isto é assim, eu também não sabia e tive que aprender, o meu patrão ensinou, eu entendi e aprendi.

Dizia, tu fazes esta volta assim assim, depois chegas além, e pões-te lá na partilha, não dizes nada às ovelhas ou então dizes ai, dás um avisozinho, e elas voltam para trás, brandinhas.

Quer dizer, para dar conta do recado eu não preciso de cão, consta-se que quando eu vejo o gado repartido, que nem todas se juntam, eu daqui onde estou agora volto-as.

Gosto muito de gado e então é assim, estou aqui e digo, olha, aquelas vão mal por ali abaixo, à procura das outras e não se encontram. Eu de casa digo “Maravilha!” vai-te lá acima! As malatas ouvem a voz e param além e dalém para a frente já não avançam, depois digo, vai-te lá acima, e elas voltam e vão ter com as outras, sem que a cadela precise de lá se assomar.

A gente ser moioral não é fácil, não sei se sabem, penso que não haja aqui alguém que tivesse guardado gado sem ser eu.

Em chovendo, quando Deus a mandava, não havia nada nem sítio por onde me esconder, nada! Vestia o fato de oleado, abalava com fome, bastas vezes não comia e eu daqui cismo, se tivesses cinquenta ou dez ovelhas, abrias-lhes a porta e para onde ias com as ovelhas?

Pois não sei, tu saberás, dizes-me tu. É a tua ciência.

De noite, andando sem lua, sem nada, trazendo o balde da comida para os cães comerem de noite, ali não havia mais nada, mais nada, não havia luz, nada, só eu, um moiral no campo, poucos haveriam de lá estar, nem as bruxas lá quereriam andar.

Medo? Só de me perder na névoa cerrada ou dos javardos, dos porcos, tive que ter coragem, força de vontade e ir em frente, às vezes parava só para ouvir o soar dos meus passos na erva geada, gretada do gelo.

O medo são ilusões, a pessoa mete coisas na cabeça, quem pensa assim em medo, pensa errado.

Ora suponhamos que tenho as ovelhas naquela umbria, sem rede, sem nada, eu estou aqui e há uma que se mexe, se lhe ouve o chocalho, outras há que se vão mexendo ou estão lá atrás e eu digo assim, estão-se mexendo, alguma coisa além se passa, tenho que ir a ver com um fóxe, tenho que ir a ver, não?

Vou a ver, dou a volta ao cerro, a volta ao cerro, não dou volta ao rebanho, só dou volta ao cerro em redor do rebanho, vejo, está tudo bem, tudo aperaltado, mas depois já não estou com sentido no sono, estou com sentido que elas abalem, porque estou deitado mas não estou sossegado, estou naquela coisa que não é estar comigo.

[Ouvido no Pomarão, ao João]

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