A paciência

[Eu não sou de cá mas quero ser daqui, já estou cá há trinta anos, vim e adorei este povo, que é um povo extremamente paciente, até paciente demais porque se fosse um povo pouco paciente, se calhar tínhamos esta terra mais desenvolvida].

Vou falar da paciência, aquilo que me atrai no bom sentido.

Hoje em dia, e como sempre, as pessoas querem tudo depressa, querem resolver tudo a correr, não têm tempo para nada, nem para escutar e quando se é jovem então muito mais. Ora bem, era jovem, agora já estou velhote, nasci em África, sou de Moçambique, naquela altura toda a gente queria ter um LandRover, era um carro de todo o terreno. Eu consegui um em segunda mão e naquele tempo o LandRover para se pôr a trabalhar era um caso sério, tinha lá um filamento, eu puxava o shot, em inglês, e tínhamos que esperar até que o filamento ficasse incandescente e nessa altura então dava-se o start, a ignição, e o carro pegava. Ora bem, eu era individuo muito apressado, não tinha paciência para nada, era tudo a correr, tentava várias vezes e o LandRover, às vezes pegava depois de muita insistência, outras não pegava e eu pedia a alguém para empurrar e aquilo pegava. Um dia fui ter com um amigo mecânico, eu disse Ó Carlos, o meu LandRover, ó pá, é um caso sério para pegar.

Diz ele assim:

– Não pega? Vou chamar aí o electricista e ele vai ver.

Veio o senhor, mecânico, eu olhei para ele, devia ser um homem para os seus cinquenta anos, mas para mim ele era velho. Diz ele assim, ele era indiano:

– Então amigo, o que é que tem o carro?

– O carro não pega!

– Não pega? Deixa lá ver.

E ele entrou, esteve ali um bocadinho, depois ligou a ignição e o carro pegou.

– Está a ver? Pega!

– Mas comigo não pega.

– Então entra você. Faz você.

Está bem, eu cheguei lá e trás.

– Não amigo, assim não! Assim não pega. Conta sassenta, ouviu?  Conta sassenta.

E eu:

– Conta sassenta?

– Sim. Você fica sentado no carro, vai dar a chave e conta sassenta, depois dá.

E eu dois, três, quatro, cinco.

– Não, não, não, assim não dá. Conta sassenta com um relógio, devagar, um, dois, três, quatro, pausado.

E eu fiquei ali, não dizendo nada, em silêncio a contar e dou outra vez e o carro não pega.

Diz ele:

– Amigo, eu estava a contar, você diz que estava a contar mas você contou muito depressa. Olhe, vamos ver uma coisa, você conta sassenta mas eu quero ouvir, ouviu? Você conta para eu ouvir, quando eu disser gira, você gira, está bem?

Então comecei, já sem paciência, irritado com aquela história toda, mas pronto, enfim, pensei, vou tentar, se isto não resultar vai estar lixado. Comecei a contar, um, dois, três, quatro e por aí fora mas em voz alta até aos tais sassenta para não confundir com setenta, sassenta.

Quando chego a sassenta ele diz, agora, e o carro pegou logo.

Acreditam que até hoje quando me lembro desta história me emociono?

Bem, o carro pegou, eu cheguei ao pé do homem e disse:

– Você, desculpe lá, eu fui muito malcriado, mal-educado, sem paciência.

– Não faz mal amigo.  Em tudo na vida você tem que ter paciência. Resolver tudo muito depressa não serve.

E de facto, até hoje eu tenho tido muita paciência.

 

Alexandre Antunes

Bens

3 de Outubro 2020

 

[O Alexandre é um fantástico contador de histórias que encontrámos nos Bens. É também um perfeito exemplo de homem paciente e de boa-vontade, aprendeu bem a lição dada pelo electricista indiano em Moçambique. Aprender bem as lições da vida não é para todos, implica inteligência e sensibilidade, enfim, paciência]

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